Papá

Papá


O Dia do Pai pode ser o dia do amor e da humanidade. Afinal, foi-nos confiada uma missão: “Amai-vos e multiplicai-vos”.


Ontem celebrámos o Dia do Pai. Dado o contexto que atravessamos, ouso afirmar que nunca este dia foi passado havendo tantos pais junto dos filhos. Num mundo ideal, a razão seria outra, mas a verdade é que foi necessário um ser microscópico para deixarmos de viver num mundo normal, sem sabermos até quando. Quando me sentei para escrever a crónica desta semana, dei por mim, pela primeira vez, a pensar seriamente sobre a força da palavra papá.

José, pai putativo de Jesus segundo as Escrituras, soube acolher a vontade divina e aceitou, não sendo seu progenitor, ser seu pai. Nas mesmas Escrituras, quando por fim Maria encontra o seu filho, diz-lhe: “O teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição”. Maria não afirmou que fora procurar o filho com o presumível pai, nem muito menos recorreu à ideia de pai adotivo. José foi efetivamente o pai de Jesus. Porque pai é aquele que ama, educa, acompanha, ralha, cuida, chora e ri.

Neste momento de quarentena, tenho recebido várias mensagens fomentando a paz, a união e a oração. Assim, as pessoas encontram-se à janela ou através da internet com gestos de fraternidade e união. Não porque não tenham outros afazeres, mas sim porque necessitam de comunicar. Querem dizer-nos que estamos isolados, mas não estamos sós! Jesus, quando questionado sobre como se deveria rezar, responde recitando o pai-nosso. Abba é a palavra-chave em aramaico desta oração. A tradução, em bom rigor, não é pai, mas papá. Rezamos a Deus, ao Criador, ao Supremo, numa posição em tudo semelhante a uma criança no começo da vida. Papá nosso… Porque é meu e é de todos. A fraternidade reside nisto: olhar para o próximo e ver nele um irmão.

Voltemos à terra e olhemos a realidade concreta ainda a propósito do Dia do Pai. Há mães que também são pais, há avós que são pais, há amigos mais velhos que são autênticos pais. Porque nos amam, educam e ensinam. Por isso, o Dia do Pai pode ser o dia do amor e da humanidade. Afinal, foi-nos confiada uma missão: “Amai-vos e multiplicai-vos”. Bem sei que numa crónica de um jornal sem credo pode parecer excessivo trazer tanto de religioso para aqui. Perdoem-me, mas é neste momento, algures entre a tragédia e a esperança, que quero partilhar convosco o mais autêntico que posso partilhar: Deus e o amor. E tudo isto porque, hoje, o meu filho me chamou papá. Confesso que me desarmou. Creio que naquele momento lhe daria tudo o que me pedisse. Aliás, não deixa de ser curioso a forma discreta como passou o Dia do Pai. Sem comércio, sem anúncios, sem correrias nos centros comerciais. Os museus estão fechados, mas a História continua. Os teatros, as discotecas, as escolas… tudo fechado, mas a cultura não morre. Continuamos a guardar em nós o que é essencial. Hoje acordámos num mundo diferente. Hoje, não importa se se é de esquerda ou de direita, crente ou não crente, maçom, católico, rico, pobre, erudito ou mendigo. E quanto a vivermos num “mundo normal”, a questão é: o que é a normalidade? Opera-se uma mudança e o mundo, a partir de agora, começa a ser outro!

 

Professor e investigador